quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A real demanda do tal do parto humanizado


Post inspirado na matéria de capa da revista Época 

sobre violência obstétrica


 
#partocomrespeito

 

A capa da revista Época desse mês veio com mulheres relatando os abusos que sofreram durante o parto. Inspirada nessa matéria sobre violência obstétrica (segue o link: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/07/violencia-obstetrica-1-em-cada-4-brasileiras-diz-ter-sofrido-abuso-no-parto.html), resolvi escrever sobre o parto humanizado e qual é, na minha opinião, a real demanda das mulheres que militam por ele.


Ouvindo o termo parto humanizado, muitos visualizam o parto em domicilio, ou na banheira, ou um parto sem assistência médica. Se a peridural já perde lugar no imaginário do que é o humanizado, imagina a cesárea? Impossível fazer parte desse cenário! Mas a demanda real por trás dos pedidos, da militância pelo parto humanizado é outra. O pedido pelo parto humanizado, nada mais é que um pedido por escuta, por diálogo. O momento do deveria ser o encontro entre equipe e parturiente em uma relação horizontal (um não sabe mais que o outro) e se comunicam. Sim, eu acredito que o médico não tem mais saber do que eu! Ele conhece mais sobre os procedimentos adequados em diferentes casos e está preparado para agir se preciso, claro! Ele estudou muito pra isso e não quero de maneira alguma desqualificar esse conhecimento. Mas se ele tem 8, 10 anos de formação para estar ali, eu tenho 30 de aprendizado sobre mim mesma. Cada machucado, cada gripe, cada consulta com diferentes especialistas durante minha vida me ensinaram sobre o meu corpo e me qualificam como especialista em mim mesma e esse conhecimento também não pode ser desqualificado.

Os diferentes partos


O parto humanizado não quer diminuir o conhecimento médico, muito pelo contrário. Quem se propõem a passar por isso geralmente se informou muito e sabe bem que ele só pode ser feito se todo o acompanhamento pré-parte estiver sido feito e que ela e o bebê não correm a princípio nenhum risco (óbvio que ninguém quer se colocar em situação de risco). A gestante que quer um parto natural/fisiológico (como eu) com um mínimo de (ou nenhuma) intervenção médica sabe que tem que reunir um conjunto de condições para que isso possa acontecer, sabe que a cesariana, por exemplo, é uma das cirurgias que mais salva vidas no mundo, mas sabe também, que quando não é necessária, aumenta em 3 ou 4 vezes os riscos para mãe é bebê. São pessoas bem informadas que querem participação ativa no próprio parto.

Eu nunca passei por um parto para poder opinar sobre obstetras, mas já tive que ir a muuuitos médicos diferentes (de uma mesma especialidade) até achar um que estivesse disposto a me ouvir para que pudéssemos escolher ou adaptar um tratamento a minha realidade. Mas essa escuta necessita tempo e por diversas razões a maioria dos médicos (na minha experiência pessoal) ainda não abre esse espaço.

Quando lá no começo do post coloco o médico como um igual, não quero diminuí-lo ou o seu saber, quero poder somar! Se tudo correr do jeito que eu gostaria, se eu e minha filha estivermos saudáveis, meu parto será no hospital, na sala chamada natural (tem isso aqui no hospital onde vou ter a bebê, mas não em toda a França), com meu marido do lado, sem peridural, de cócoras, pois é como eu acho que meu corpo vai querer se posicionar. Tenho sorte de estar num país onde cesariana é considerada como procedimento de urgência e a equipe não tem interesse nenhum em fazer cirurgia, então não preciso me preocupar com isso. Porém, o sistema de partos na França é próximo ao de uma usina, com procedimentos padrões super medicalizados (parto normal não é sinônimo de parto humanizado). E tenho muita sorte de encontrar um com essa sala de parto natural e uma equipe formada para me dar o apoio necessário (pelo menos é o que foi dito e é o que eu espero) para ter um parto fisiológico. Eu sei que a forma como quero meu parto não é o melhor pra eles, pois além do meu, pode ser que tenham diversos outros ao mesmo tempo e é muito mais fácil seguir um mesmo procedimento para todos. Mas sinto que estarão lá pra mim (não sei quem estará, pois aqui é sempre a equipe de plantão que faz o parto) e isso faz toda a diferença. Até lá, terei tido todas as minhas aulas de preparação ao nascimento, que incluem as diferentes posições em que podemos parir (posição clássica, de lado, de quatro, de cócoras, essa ultima só sem anestesia), como funciona e quando pode ser aplicada a peridural, como se dá o parto em si, em que posição o bebê vai estar, como a equipe atua durante o parto, ... e terei ido a uma consulta com o anestesista (obrigatória). Chegado o momento "p", e eu resolver que quero peridural, não tem problema, posso mudar de projeto de parto quando quiser, pois a equipe está lá para me acompanhar os meus desejos, as minhas necessidades. E se me disserem que a cesariana vai ser necessária, também não tem problema (claro, não vou ficar feliz, tem todos os riscos de uma cirurgia e tal). Eu confio nesse canal de diálogo que foi aberto e sei que se eles estão propondo é porque é o melhor para nós. Mas as decisões são tomadas em conjunto, eu não assistirei passivamente ao parto da minha filha, eu darei a luz!

Sala de parto natural


E é só isso que toda mulher (alias, todo paciente) quer. Poder ser parte ativa das decisões que são tomadas sobre o seu corpo. Isso é respeito! Isso é o parto com respeito que pedem na revista Época. Eu sei que a falta de comunicação não é a realidade de todos os profissionais da medicina no Brasil, já encontrei médicos maravilhosos dispostos a dialogar. E sei que não é por estar na França tudo é perfeito e maravilhoso (depois de muita espera, só mais uma consulta e troco de ginecologista, finalmente!). Mas no contexto do parto, essa abertura à comunicação é ainda mais importante. Uma equipe médica talvez faça 300, 3000 partos ao ano, mas esse é meu único. Eles esperaram as poucas horas do trabalho de parto pra minha filha nascer, eu espero por ela a 9 meses (ou 30 anos, pra ser mais exata)! O parto humanizado vai então muito além do parto em si, é o acompanhamento (e o não decidir/fazer no lugar) da gestante e parceiro(a) (se for o caso) nesse projeto de ter um bebê, no parto e do recém nascido (junto com os pais) após o nascimento dele. 


Parto humanizado é #partocomrespeito.
Parto humanizado é parto com diálogo.
Parto humanizado é parto acompanhado.

Comentários
4 Comentários

4 comentários:

  1. ADOREI seu texto! É realmente o que eu entendo por parto humanizado... Infelizmente aqui no Brasil o que eu mais vejo é uma briga entre cesaristas e naturalistas (vamos chamar assim), mas o que todas pedem, no final das contas, é respeito, diálogo, informação de verdade! Vejo muitos médicos dizendo que parto humanizado é coisa de índio e que isso é seleção natural, justamente pra tentar indicar uma cesária para a mãe. Mas acho que, no final, todos se perdem numa briga péssima, que só quem perde são as próprias mães... Enfim, espero que se/quando eu engravidar eu consiga um médico que respeite minhas escolhas, que converse comigo, sem falácias, e me ouça.! Mais respeito a escolha do próximo! Ps. Muito legal ter uma sala de parto natural no hospital aí em Metz.

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    1. Concordo totalmente! Parece uma dicotomia parto natural x cesaria! Mas no final, o que todos querem não é (ou deveria ser) o melhor para a parturiente e seu filho? As pessoas se fecham nos seus argumentos e não ouvem o outro lado, péssimo para todos!
      Mas o sistema de partos ai tb não é bom pro médico. Eu entendo que eles nao queiram fazer parto normal. Se esse dialogo fosse realmente aberto, sem esses extremismos, sem esconder as reais razões do porque preferem cesaria, quem sabe o sistema não ia mudando aos pouquinhos e melhorava tudo para todos?

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  2. Adorei!!! É assim que entendo também que deveria ser a nossa relação com médicos, de diálogo! O que tenho a informar é imprescindível para o sucesso do tratamento dele!

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    1. Com certeza! São muitas as pesquisas que mostram que a comunicação médico / paciente é a chave para o sucesso terapêutico!

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