Por que as francesas não aleitam?
Ontem
foi o dia mundial da amamentação! eeeeeee! Sei que no Brasil existe uma certa
polêmica sobre o direito de dar de mamar em público, mas o aleitamento em si
não é questionado por ninguém. Aqui, as coisas são bem diferentes e devo dizer
que me causou (ainda causa) um certo estranhamento.
Há
um ano atrás, estávamos conversando eu, uma amiga também estrangeira, mas não
brasileira e duas francesas (uma grávida e uma com um bebê de dois meses) sobre
a amamentação. A que estava grávida contava que não ia amamentar por razões
pessoais e a que tinha o bebê de dois meses aleitava quando podia. As duas
falavam dessa opção (amamentar é uma opção aqui!) com muita naturalidade e eu
trocava olhares de estranhamento com minha amiga não francesa. Depois que elas
foram embora, nós comentamos o quão curioso era fazer disso uma opção. Nos
nossos países, uma mãe amamenta e ponto. Só não faz isso quando existe contra
indicação médica ou real impossibilidade de amamentar. Por isso pra gente chega
a ser bizarro ver algo que pra nós é tão natural, tão bom pro bebê (e pra mãe),
colocado como se fosse a escolha de fraldas: descartáveis ou laváveis?!
No
Brasil, isso está tão presente na nossa cultura, que chega a ser feio dizer,
pensar, ou querer não amamentar. Mas aqui, ninguém vê o aleitamento como um fato que vai necessariamente
acontecer e todo mundo me pergunta se eu vou amamentar minha filha (sim! até os 6
meses exclusivamente leite materno em livre demanda!).
Vamos aos fatos, na
França, ainda na maternidade, em torno de 74% das mães optam pelo aleitamento, ou
seja, 26% escolhem não amamentar antes mesmo do parto acontecer. Aos 3 meses,
esse numero cai para 40%, sendo que somente 21% amamentam de forma exclusiva ou
predominante. Aos 6 meses, são 23% o número de bebês que ainda mamam (incluindo aqueles que também usam a mamadeira como complemento). Só para comparar, os números
europeus (aos 6 meses) variam de 33% na Holanda até 82% na Noruega. O que faz
da França um dos países europeus com a menor taxa de iniciação à amamentação e com um
dos menores tempos de aleitamento materno total (fonte:
InVS - http://www.invs.sante.fr/Espace-presse/Communiques-de-presse/2014/En-France-l-objectif-d-un-allaitement-maternel-jusqu-a-6-mois-ne-concerne-qu-un-quart-des-nourrissons). Por curiosidade, no Brasil em torno de 41% dos bebês tem aleitamento
materno exclusivo até os 6 meses de idade (dados do Ministério da Saúde - http://www.sbp.com.br/src/uploads/2012/12/pesquisa.pdf).
Aqui,
cada mãe pesa os pós e contras e decide por si só. Até no google, quando fui
fazer a pesquisa e coloquei "allaiter" como palavra chave, ele me
sugeriu em segunda ou terceira posição o complemento "ou pas", ou seja,
"amamentar ou não" e os diferentes sites começam com títulos ou menções
do tipo: "toda futura mamãe se pergunta durante sua gravidez se vai
amamentar ou não".
Dei
uma pesquisada no que faz as mulheres escolherem a mamadeira desde o começo e
aqui estão algumas razões que encontrei: queria que o papai pudesse participar
quando ele quisesse, sem ter que esperar tirar o leite; timidez de amamentar em
público ou em frente de amigos e família; os primeiros dias já são muito
estressantes, por que acrescentar ainda mais uma fonte de estresse?; amamentar dói;
é uma questão de organização: ter que voltar logo ao trabalho, não saber como
conciliar o resto da vida (esporte, passeios...) com esse modo de alimentação
que tem horários e duração imprevisíveis; queria deixar o bebê independente e
ter também minha independência; queria voltar a ter uma vida normal, beber e
fumar; amamentação não é pra mim, nunca me vi amamentando. E como eu disse
anteriormente, as que escolhem amamentar, o fazem por pouco tempo (média de 10
semanas, que não por coincidência é o tempo da licença maternidade).
Essas
razões me parecem supérfluas e algumas até inaceitáveis, mas é importante ter
em mente o contexto cultural. O Brasil é um país em desenvolvimento e para
muitas mães a alternativa ao leite materno era o leito ninho em pó ou o leite
de vaca mesmo. Por causa disso eu cresci vendo campanhas em favor da amamentação
que formataram meu olhar. Esse não é o caso das francesas, que sempre tiveram
opções de leite em pó com benefícios próximos aos do leite materno.
É
claro que nada se compara ao leite materno, considerado o alimento ideal para o
bebê e recém-nascido, com os nutrientes e anticorpos que previnem diversas
doenças e reduzem o risco de mortalidade do bebê, além dos benefícios para a
vida inteira (menor risco de diabetes e obesidade, por exemplo). Para a mãe
também é ótimo, a amamentação produz a infertilidade natural, pois a menstruação
demora mais a voltar (método não infalível, 98% de proteção durante 6 meses),
diminui o risco de câncer dos seios e ovários e ainda ajuda na perda de peso
(dados da OMS - http://www.who.int/features/factfiles/breastfeeding/facts/fr/index3.html).
Isso
sem contar com a criação (ou continuação) do vínculo entre mãe e bebê. O
momento da amamentação deixa o bebê próximo da mãe, ele pode sentir o cheiro, os
batimentos cardíacos, o corpo da mãe (quase) como quando estava no útero. As
trocas de olhares e carinhos que acontecem nesse momento são únicas, preciosas e
por isso devem ser muito valorizadas. Mas é claro que o gesto de amamentar em
si não faz ninguém mais ou menos mãe e numa impossibilidade, esse momento pode
sim acontecer com a mamadeira.
Sou super a favor da amamentação exclusiva até os seis meses e depois até quando o bebê quiser, sempre em livre demanda, que é o que pretendo fazer. Mas o mais importante, no final, é investir nesse momento,
para que ele seja o mais prazeroso para ambos. E se isso significa não dar de mamar, como muitas francesas, que seja rodeado de apoio, informação e sem culpa. Pois acredito que seja melhor dar a mamadeira com amor do que dar o peito sem querer.
Me surpreendi! Não sabia dessa visão francesa e européia... Mas compreendi como natural da cultura, principalmente com todos os recursos substitutos que tem. Mas amamentar é ÓTIMO! Não sabem o que estão perdendo... Amo! Adorei esse novo post.
ResponderExcluirFrancesa msm, pois alguns em alguns paises na Europa a taxa de amamentação é de mais de 90%.
Excluiré natural da cultura, mas tem uma onda querendo mudar isso. Li uma reportagem dizendo que esse movimento é em parte impulsionado pelo que acontece no Brasil! Interessante, né?
Muito interessante. Parabéns!!!
ExcluirNunca imaginei a possibilidade de não amamentar.. Muito engraçado como a cultura é diferente né...
ResponderExcluir;)
Eu tb não, Dani! Dessa vez que eu tava no carro com as francesas, foi a primeira vez que me confrontei com o assunto e eu fiquei muito chocada! Realmente não esperava! Mas hoje até entendo as razões, apesar de não concordar e não querer essa realidade pra mim.
ExcluirO Brasil é um país em desenvolvimento, terceiro mundo caiu em desuso há muitos anos... ;) eu também não sabia dessa coisa supercuriosa e fico impressionada também, a gente tende a achar bem retrógrado isso né, mas acho que está bem ligado à licença maternidade de apenas 3 meses.
ResponderExcluirJa editei o texto! Obrigada pela correção! ;)
ExcluirLigado a licença maternidade, mas so isso não justifica. Aqui as mães tem possibilidades que não temos no Brasil (de todos os tipos mesmo, desde outros tipos de licença do trabalho, auxilios do governo, até o prorpio acesso a saude e medicamentos), mas existe todo um contexto sociohistorico que explica.
Mas a quantidade de mães que amamentam tem aumentado, hoje existem até hospitais labelizados "ami des bébés", que entre outras coisas, incentiva o aleitamento.
Muito legal ler sobre a cultura de outro país. Devo dizer que me surpreendi muito com esse fato, das francesas não possuírem o hábito de amamentar como nós temos no Brasil, realmente me impressionou, provavelmente porque pra mim não amamentar (quando for pra acontecer) nunca foi uma opção.... Mais uma vez, adorei o texto! =)
ResponderExcluirO sentimento é o mesmo aqui! A gente cresceu recebendo informação de que amamentar é tudo de bom! Eu lembro das propagandas de doação para bancos de leite! Amamentar é tão importante na nossa cultura, que até quem não pode, recorre a leite materno nesses bancos. Por isso é tão estranho ver que um pais "onde tudo é melhor" (aquela sindrome de vira-latas dos brasileiros) possa ser tão atrasado em algo tão basico.
ExcluirPorque vc não pode decidir sobre o seu corpo? Amamentar deve ser uma opção e não obrigação! Vc eh obrigada a fazer noque quiser com o seu corpo: a escolha do alimento A ou B, não lhe torna menos mãe, ou mesmo que vc tenha menos amor pelo seu filho!
ResponderExcluirCom certeza, Marla! E esse pensamento está bem presente na lógica francesa. As vezes estamos tão impregnados por uma cultura que nossa visão fica contaminada. O leite materno é o melhor alimento para o bebê, mas o que é melhor para a mãe? Cada caso é um caso.. afinal, mais vale uma mamadeira dada com amor, que o peito dado com rancor.
ExcluirPorque vc não pode decidir sobre o seu corpo? Amamentar deve ser uma opção e não obrigação! Vc eh obrigada a fazer noque quiser com o seu corpo: a escolha do alimento A ou B, não lhe torna menos mãe, ou mesmo que vc tenha menos amor pelo seu filho!
ResponderExcluir