quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Quem tem medo da peridural, peridural, peridural?



Peridural, episiotomia e outras coisinhas mais...


Durante parte da minha vida, meu sonho de parto seria uma cesárea. Pra que sentir dor, se você pode dormir, acordar e ter seu bebê, lindinho, perfeitinho e limpinho do seu lado? Mas com a idade, anos de formação em psicologia e muita informação isso mudou. O projeto de parto evoluiu de uma cirurgia ao mais natural possível. Mas se sou capaz de dizer e de querer sentir cada minutinho, mesmo os de dor, até a chegada da minha filha, é em parte porque meus medos durante o parto não são mais os mesmos.

Queria dizer que a razão principal de querer um parto natural é para trabalharmos juntas até a chegada dela, que eu acredito que ter esse momento juntas vai criar um laço, um vínculo todo especial e único entre nós, que perder esse acontecimento (e as sensações dele) tão especiais é o que me faz não querer a peridural. Mas mesmo que tudo isso seja hoje verdade e são verdades que fazem parte do meu discurso, o motivo número um para não querer a anestesia é o medo da agulha e da episiotomia.


Peridural (que agonia!)
Pra peridural, você tem que ficar parada, com as costas curvadas, mesmo durante uma contração, sem se mexer nem um tiquinho, enquanto o médico aplica a anestesia. Depois ele coloca um cateter e tira a agulha.
Agulhae cateter (vai dizer que não parece enorme?)
(parenteses pra dizer que no meu imaginário, pra poder passar algo dentro, a agulha tinha ser do tamanho de um canudo! rs Mas não é bem assim. Ufa! Se você também tem essa ideia, pede pra dar uma olhada no material que desmistifica)

Continuando, no hospital onde vou ter o parto (não é todo hospital francês que é assim), esse cateter fica ligado a um aparelho e a gestante aperta quando sente que precisa demais. Dessa forma, a anestesia não vai além do que a mulher estima necessário, com um limite máximo que o aparelhinho não vai extrapolar.

Mesmo a agulha sendo um problema menor (mesmo que ainda me gele o estômago a ideia dela sendo enfiada na coluna - ok, entre as vértebras...), a peridural me parece ter diversas desvantagens. Com a peridural vem a restrição do espaço físico. A mulher tem que ficar a maior parte do tempo deitada (de lado ou de costas) (alias, ainda é um mistério na minha cabeça como uma mulher pode ficar deitada com um cateter nas costas, com todo o seu peso sobre ele! Ele é flexível, mas mesmo assim!). Se for bem dosada, dá pra ir ao banheiro (geralmente com ajuda), mas acabam as caminhadas, banhos quentes ou qualquer outro recurso que a gente usa naturalmente para diminuir a dor. Isso se dá não só por causa da perfusão, mas também do monitoramento contínuo do bebê e da mãe. Pra mim, ficar ligada em aparelhos constantemente indica que o processo está longe de ser tão perfeitinho e seguro quanto o parto fisiológico... 

Com a peridural vem também a diminuição das sensações. Dããã... Claro, né? Anestesias são feitas para não sentir ou, como no caso da peridural, sentir menos. O objetivo é que a parturiente saiba quando empurrar o bebê, pra isso é necessário escutar o corpo. A peridural, se bem feita, só vai então deixar a voz essa voz bem mais baixinha. As vezes isso não acontece e é a equipe que vai dizer quando a mulher deve fazer força. O trabalho de parto fica mais lento, as contrações diminuem. Por isso se faz necessária a injeção da ocitocina (geralmente não necessária sem a peridural, pois o corpo a produz naturalmente). Esse hormônio força o útero a se contratar mais frequentemente (mais até que o normal sem anestesia) e tem consequências para a mulher e o bebê (se alguém quiser ler mais sobre o assunto, artigo em inglês: Adverse Effects of Pitocin in Newborns). Essa contração muito forte, somada a falta de sensação completa do corpo aumentam a probabilidade de sofrimento fetal, a utilização de ventosa ou fórceps e a necessidade da episiotomia (meu maior medo entre todos os medos durante o parto).

A episiô (apelido carinhoso que dão por aqui (!)) é um corte feito no períneo em direção ao anus e serve para o bebê passar mais facilmente. 

A "episiô"


Segundo a equipe do hospital daqui, ela é feita em caso de necessidade, quando tiver risco de laceração da área, o que facilitaria a cicatrização e recuperação, mas alguns artigos científicos dizem o contrário (não posso colocar aqui, mas se alguém se interessar, posso passar as referências). A questão é que a decisão de fazer ou não o corte é muito subjetiva, o médico avalia no olhometro mesmo. Quanto mais ele fizer, mais vai achar necessária. É complicado explicar esse ciclo de crenças, mas funciona mais ou menos assim: digamos que em um certo parto x, fazendo ou não a episô, o resultado (bebê e mãe saudáveis, tudo lindo) seria o mesmo. O médico avalia, com mais ou menos certeza, que o corte é necessário e o faz. Após o parto, sucesso, mãe e bebê passam super bem! Ele não tem como saber que sem a episiô o resultado teria sido o mesmo, pois não tem como fazer e não fazer ao mesmo tempo, enquanto a mãe está parindo o mesmo filho, então avalia sua tomada de decisão como correta (é necessário dizer que TODO ser humano avalia as consequências de suas ações e isso guia os próximos comportamentos. Essa avaliação não necessariamente é consciente ou correta, mas sempre presente). Então, o raciocínio é: a ação episiô, nas condições apresentadas, deu bons resultados. Chegado o parto y, condições similares se apresentam a esse médico. O que ele vai fazer? a) repetir um padrão de comportamento que deu certo; ou b) arriscar um novo comportamento, com resultados desconhecidos. Assim, se ele já tem o costume de fazer, é provável que avalie mais situações do mesmo tipo como sendo necessárias. É natural, normal! Eu acredito que todo médico quer o melhor pros seus pacientes e se sua experiência mostrou que a episiô deu certo, porque arriscar??

E assim temos taxas de episotomia muito maiores do que o recomendado. Na França, o corte é feito em 30% das mulheres (aumenta pra 47% se levarmos em consideração só mulheres no primeiro parto) (fonte, em francês: enquête Ciane). Se eu já achava esse numero absurdo, visto que a OMS aponta como ideal taxas de 10%, imagina minha surpresa ao descobrir os dados no Brasil! Em mais de 50% dos partos normais é feita a episiô (fonte, em português, com link para pesquisas: Saúde Plena)!! E esses 50% devem ser analisados com precaução, visto que muitos médicos não declaram o procedimento de tão banal que se tornou pra eles. Eu li artigos em que a taxa encontrada chega a 95% no caso de primeiro parto! 




Claro que esse numero varia muito de hospital para hospital e, tanto na França quanto no Brasil, ele tem diminuido (ufa!). Mas da mesma forma que a gente quer saber a quantidade de cesáreas x parto normal do médico, eu perguntei no hospital aonde vou ter a bebê qual a porcentagem de episiotomia. Aqui, hospitais que tem taxa baixa declaram e fazem propaganda disso, por ser muito positivo para a mulher e recém nascido. Vi médicos dando entrevista orgulhosos dos seus números e explicando como chegaram aos valores da OMS de menos de 10%. Então quando a resposta na minha maternidade foi "não sei", já fiquei ressabiada e avisei pro marido não deixarem fazer, mesmo que digam que é necessária! Essa é uma responsabilidade muito grande, é muito difícil ir contra a equipe médica nessas horas. Por que essa eu deixei esse peso pra ele, se o corpo e decisão são minhas? Porque eu ou estar lá, fragilizada, sensível, tentando escutar meu corpo, tentando enfrentar a dor (lembrando que não quero anestesia), tentando estar em harmonia com a bebê... enfim, com muitas outras coisas muito mais importantes pra me preocupar do que esse corte. Não é nesse momento que vou ser capaz de argumentar de forma racional e contida com a equipe e imagina o desgaste de ter que brigar com quem está tentando te ajudar numa hora dessas? Não há quem tenha recursos mentais pra fazer isso e ainda assim tenha uma boa experiência de parto (que acho que é o grande objetivo de todo mundo, parturiente e equipe)!

São vários os médicos na comunidade científica que condenam completamente a prática ou pelo menos a episiotomia de rotina dizendo que ela não é benéfica na maior parte dos casos, discurso diferente da equipe que vai me atender aqui (e de muitas brasileiras, eu imagino, vistos os números absurdos). Enfim, eu li, li e reli e o que dizem é que o prognóstico é melhor sem o tal corte. Pra mim, essa prática beira a mutilação. Pra que eu quero isso?? Não, não e não! E se a peridural aumenta a "necessidade" da episiô, além dos outros procedimentos que eu relatei ali em cima, eu pergunto: quem tem medo da peridural? 

EU TENHO!!


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