segunda-feira, 12 de junho de 2017

O nascimento e a crise no casal





Ou... o nascimento da crise no casal


 
O nascimento de um filho gera um momento de crise na vida do casal. Necessariamente. De todos os casais. Sim, 100%. Nesse post vou tentar explicar um pouco como e porque isso acontece. Uma questão muito complexa, que eu espero pelo menos tocar a superfície.

Vamos lá, então. O que acontece? Quando nasce um bebê (e possivelmente até antes do nascimento em si) ambos os pais ganham uma nova identidade. Ele não é mais só o marido dela. Ela não é mais só a esposa. Ele é também pai do filho dela e vice-versa. O que significa que além de me relacionar com o meu marido, com todas as expectativas que eu tenho em relação a como um marido (e mais especificamente como o meu marido) deve ser, se comportar, me tratar, etc., eu também me relaciono com o pai do meu filho. Entram então novas expectativas em relação a essa pessoa surgem. Durante o casamento, namoro, amizade... a gente aprende a conviver com esse parceiro. Aprendemos quem é esse com que me relaciono, o que ele pode me dá, o que posso esperar dessa relação e durante todo esse tempo em que a gente se conhece e convive, eu decido diariamente construir com ele essa relação única, com todas as particularidades que ligam essas duas pessoas dessa forma específica.

Veja bem, cada relação é única e diferente, mesmo com as mesmas pessoas envolvidas, pois eu sou um ser diferente de acordo com o meu interlocutor. Claro, sou a mesma pessoa e guardo meus valores e caracteristicas independente do ambiente que estou e do papel que estou cumprindo. Mas, a forma como eu lido com minha mãe é necessariamente diferente da forma como eu lido com meu chefe. Como eu me relaciono com esse chefe é diferente de como eu me relacionava com o anterior. E a forma como me relaciono com o meu parceiro é diferente dos outros. Isso se dá porque sou um ser humano relativamente bem adaptado. A Carolina filha é diferente da Carolina irmã, que é diferente da Carolina esposa, pois a pessoa com quem me relaciono é outra, as necessidades de cada relação são diferentes, as pessoas são diferentes... Todos somos assim.

Então voltando a relação de casal, que durante um certo tempo se estabeleceu e se moldou, estremece no momento que chega um novo elemento. Eu aprendi a conviver com o meu marido, mas ainda não aprendi a conviver com o pai do meu filho. E é ai que chega a crise, entende? Porque uma nova “pessoa” está na minha frente, ou melhor, uma nova identidade surge nessa pessoa com quem eu convivo e aprendi a conviver durante todo nosso tempo de relação. Mas não é só isso. Essa nova identidade pode vir se contruindo durante a gravidez, em maior ou menos escala, dependendo das pessoas. Mas com a chegada do bebê alguns elementos complicadores entram na equação.

Não somente eu tenho que redescobrir quem é essa pessoa na minha frente, mas eu tenho que fazer isso num dos momentos mais fisica e emocionalmente esgotantes que uma pessoa pode viver. Olha o desafio! Só quem está cuidando de um bebê recém-nascido nesse momento tem a real dimensão do quão exaustivo isso é. Digo isso porque (1) eu me lembro sim, claro, do quanto é difícil, mas a lembrança é algo que se altera no tempo, se relativiza com as diversas emoções que a gente vai sentindo e a medida que a relação evolui. E (2) antes do bebê nascer eu já esperava tudo isso. Mas nem de longe a expectativa e a lembrança são tão pesadas quanto o momento em si. São noites e noites sem dormir, com um bebezinho sugando toda a sua energia (literalmente). São dias e dias de choro que parecem nunca acabar. Momentos de enorme solidão e sofrimento, por mais que você tenha o parceiro dos parceiros e uma super estrutura, o que você vivencia é permeado dos mais negativos sentimentos. E isso, a gente não lembra, a gente não espera... não tanto, não dessa forma.

Esse esgotamento do papel de mãe talvez seja maior que o do pai. A mãe, de modo geral, ainda é o cuidador principal do bebê. Sendo muitas vezes mãe e somente mãe 24 horas por dia. Enquanto o pai, também muito cansado, tem que voltar pro trabalho e durante essas horas por dia, ele assume um outro papel. Aqui não estou querendo dizer que o homem está em menor sofrimento ou desgaste que a mulher, mas simplesmente que ele é forçado a viver um outro papel durante um periodo do dia e que por isso, ele tem esse respiro do papel de pai. Porém, a vivência de cada um é única e ninguém deveria (se) julgar como mais ou menos cansado. Mas quando a gente chega no limite, isso é muito mais difícil e eu fui a primeira a achar que talvez meu marido deveria ajudar mais. Mesmo que racionalmente eu soubesse que ele estava fazendo o máximo dele, mesmo que eu soubesse que ele também estava esgotado e no limite, ainda assim eu sentia que ele deixava a desejar. Veja bem, sentimento, sensação, filtrados pelo meu olhar cansado, super cansado.

Somado a isso, tem também a adaptação ao bebê em si, ao bebê real, que não é aquele que estava na minha barriga. Ok, fisicamente é a mesma pessoa, mas antes de nascer esse bebê já existia no imaginário e quando ele nasce, é necessário fazer o luto desse bebê perdido e aprender a conviver com esse bebê real. Isso é algo natural, pois esse bebê é um individuo, um todo, um inteiro, com suas necessidades próprias que vão muito além da pessoa que a gente imaginou quando era criança brincando de boneca, do bebê que cresceu e tomou forma na nossa cabeça, enquanto se desenvolvia na nossa barriga.

Todos esses aprendizados são duros. São muitas novidades que a gente tem que se adaptar e aprender a lidar de um dia pro outro. E aqui vou acrescentar um último fator pra deixar tudo ainda mais difícil: aquela loucura hormonal que acontece no pós-parto, deixando a mulher (e possivelmente o homem, tem um estudo apontando isso) muito mais sensível.

No meio desse turbilhão, redescobrir quem é esse parceiro, nesse novo papel, essa nova identidade, não é a coisa mais simples do mundo. Por isso essa crise, como toda crise, vai gerar consequências importantes, mas não necessariamente negativas. Já li um estudo inglês que dizia que 80% dos casais pensa (não necessariamente verbaliza ou age) em se separar após o nascimento do filho - eu faço parte desse grupo. 40% acabam se separando mesmo após o nascimento. Isso mostra o quanto é difícil esse período na vida do casal. Porém, o outro lado da moeda é o fortalecimento da relação. Aqui me baseio na minha relação pessoal e de outros casais com os quais já discuti o assunto. Passada a turbulência, reconstruimos nossa relação e ela nunca foi tão sólida. O que eu tenho com ele hoje, eu nunca tive com ninguém. É uma cumplicidade que passa de longe qualquer outra relação que eu já tenha vivido, inclusive com ele mesmo.

Mas essa vivência positiva de hoje não exclui as dificuldades que passamos.  Um outro bebê está vindo por ai, uma nova crise está vindo por ai. Estamos mais preparados, claro, mas agora serão 2 e o nível de dificuldade vai, consequentemente, aumentar. Espero sair ainda mais forte!


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