segunda-feira, 29 de maio de 2017

Profecia autorealizadora



Ou como nossas expectativas influenciam nossos filhos


Chegou uma professora nova na escola e disseram para ela que o Daniel era ótimo em matemática. A Fabiana, tirava as melhores notas da sala em português. Disseram também que o Paulo era muito arteiro e que a Joana falava demais, acabava atrapalhando os coleguinhas. No ano seguinte, mudaram de professora, ela relatou que o Daniel era ótimo em matemática, a Fabiana em português... O que ela não sabia era que nada disso era verdade (nem mentira), esses quatro alunos da classe foram escolhidos na sorte para terem um comportamento qualquer atribuidos a eles. Curiosamente, um ano depois, eles eram realmente aqueles que a professora acreditava que eles eram. Mas como assim? Como eles realmente viraram uma pessoa com características possivelmente diferentes só por que a professora disse que eles eram assim? Cade a personalidade deles? E a professora não percebeu que, pelo menos até o ano passado, Daniel era um alino mediano em matemática (pelo era o que suas notas mostravam)?

A verdade é que somos o que somos porque crescemos no meio em que vivemos, com estímulos próprios desse ambiente, vindos de todas as partes. Mas essa influência é muito discreta, por isso aquela impressão de que meu eu, meus valores, meu caráter, não mudam, ninguém compra. Vou tentar explicar um pouquinho como isso funciona nesse texto e porque temos que ficar muuuito atentos a forma como rotulamos (rotulam) nossos filhos.

Vou voltar então, no exemplo da professora acima. Como eu disse, Daniel era um aluno normal, com notas regulares em matemática. Quando chega na classe essa professora que acredita que ele seja o melhor da sala, ela vai estimulá-lo dessa forma. Quando ele estiver fazendo um exercício e errar, ela possivelmente vai dizer coisas do tipo: “Mas olha que besteirinha, você só esqueceu que a multiplicação sempre vem antes da adição” e vai atribuir o erro a uma pequena falta de atenção. Quando ele estiver com dificuldades, vai dizer: “Eu sei que você consegue, eu acredito em você” e ele vai se sentir estimulado. Quando acertar, a professora vai atribuir adicionar o acerto a coluna de realizações normais. Esse, o acerto, é o comportamento normal dele. Daniel vai assimilar esse sentimento, internalizar isso, e logo, logo esse vai ser o comportamento normal dele, de acertos. Se acertos é o que se espera dele (ele mesmo também espera isso), ele vai se dedicar mais, estudar mais pra corresponder aquela característica que ambos acreditam ser dele. O que consequentemente acaba aumentando a nota dele e fazendo com que ele seja muito bom em matemática.

Já com a Joana, por exemplo, o efeito contrário acontece. Imagina a situação, enquanto a professora explica o exercício a Joana (ou o colega) não entendem muito bem e começam a conversar no intuito de compreender o que deve ser feito. A professora vê os dois conversando e logo pede silêncio. Veja bem, conversar sobre a lição, o conteúdo da aula é algo positivo, enriquece o conehcimento de ambos os alunos. Mas a professora na crença de que Joana fala demais, poda desde o início esse comportamento, pois não quer burburinhos na sala de aula. Quando Joana explica a situação, ela diz: “Não interessa, exercício é pra fazer em silêncio, se você está com dúvidas, pergunte a mim, dessa forma você atrapalha os outros”. É possível que se fosse o Daniel, em vez brigar expondo pra toda a classe, ela chegasse perto e perguntasse: “está tudo bem?”. Quando ela vê Joana conversando de novo e de novo, diz coisas coisas do tipo: “Não está vendo que você está atrapalhando?”. Joana, que antes tinha um comportamento positivo e ajudava os colegas se sente desconfortável, começa a acreditar que atrapalha mesmo os outros. Como Daniel, começa a internalizar essa característica e a ter comportamentos nesse sentido.


Talvez esses exemplos pareçam exagerados, talvez até sejam mesmo. Mas na vida real isso acontece, mas é aos pouquinho e discretamente... é assim que as crenças dos outros viram nossas próprias crenças. É assim que nos tornamos quem os outros esperam que a gente seja ou pelo menos, que um certo comportamento faça parte do nosso repertório de ações. Um exemplo bobo, mas que eu tenho certeza, já aconteceu com você, já aconteceu comigo. Você entra numa loja porque precisa comprar algo e vê uma fila enorme! Logo se apressa pra entrar na fila também, porque não quer ficar muito tempo lá. Mais uma, duas pessoas fazem o mesmo. E ninguém mais entra depois, porque não tinha mais ninguém na loja (fica essa impressão). Quem já trabalhou em caixa, ou algo assim, vai dizer que sempre tem uma hora que todos os clientes resolvem passar juntos. Ou seja, de alguma forma, a crença coletiva de que a fila vai demorar faz com que todos entrem na fila, fazendo com que ela realmente demore, confirmando a crença anterior. Isso se chama profecia autorealizadora e acontece meeeesmo e o tempo inteiro.

E acontece desde muito antes do filho nascer! Mamãe e papai estão ali, planejando o baby. Papai morre de medo de ter um menino, ele diz que foi muito arteiro quando criança, se tiver um menino vai ter que preparar o coração pra aguentar. Alguns meses depois, descobrem a gravidez, descobrem que é um menino. O bebê chuta muito, diz a mãe: “Nossa, vai ser agitado”. Aqui, mãe e pai começam a confirmar a crença de que a criança vai ser arteira, agitada, espoleta... Talvez a mesma quantidade de chutes vindos de uma menina não teriam sido considerados como excessivos, como sinal de agitação, afinal, bebê que mexe, só está se mostrando saudável.

O bebê nasce... vai crescendo... e as interações com pai e mãe continuam... Ele começa a engatinhar, vai na direção da escada. A mãe diz que não pode. Ele vai de novo e de novo... O pai diz: “Ta vendo, só quer o que não pode”, reforçando a crença de ambos sobre o filho. Talvez se fosse uma menina, se fossem outros pais, essa criança teria sido rotulada como exploradora. Ou talvez o comportamento de ir repetidas vezes na escada (normal de toda criança de ir desbravar o mundo) nem tivesse sido notado, comentado. Mas aqui, nesse contexto, com esses pais, ele foi. Foi anotado, marcado, reforçado... Esse e tantos outros que poderiam ter passado despercebidos entraram na categoria já pré-determinada de uma criança arteira.

E assim, desde bebezinho, desde a barriga, esse bebê é rotulado como agitado. Ele internaliza isso como sendo verdade. E é mesmo, é verdade na cabeça dos pais e de todos que estão em volta. Cada vez que ele escala o berço, sobre numa árvore, vai parar no hospital... Todos acham normal, porque ele sempre foi agitado, faz parte da personalidade dele, vão dizer. E faz mesmo! Ele se transformou nesse menino arteiro, pois é o que esperavam dele.


É claro que existe uma personalidade que talvez independa do meio. Pelo menos eu acredito nisso. Mas grande parte do que somos e seremos no futuro é sim determinado por aquilo que esperam e acreditam da gente. Parte da discussão sobre esteriótipo de gênero passa por isso. Aqueles que defendem que diferenças entre homem e mulher vem somente da natureza estão cruelmente enganados. Óbvio que mulher e homem são diferentes, e óbvio que parte dessa diferença é biológica. Mas mulher e mulher também são diferentes. O que é “comportamento de homem” depende da sociedade onde ele está inserido.

Quando tomamos consciencia disso, podemos mudar o olhar que temos sobre nossas crianças. Não vai virar um olhar neutro, pois isso é simplesmente impossível. Mas talvez seja um pouco menos direcionado? Pelo menos é o que tento acreditar. Quando me disseram: “ainda bem que é menina, pois se fosse menino, criado por voê, ia ser muito fresco”. Eu me pergunto o que “ser fresco” significa pra essa pessoa e digo que menino, menina, fresco ou não, eu só quero que ela possa ser ela mesma, que ela seja feliz!

Não vou ser hipócrita a ponto de dizer que não tenho expectativas sobre como minha filha é/deve/vai ser. Todos temos, mas acredito que sabendo que ela pode vir a ser aquilo que acredito, tento ser mais leve. Me questiono, questiono os outros e peço que não digam que ela é isso ou aquilo. Especialmente quando o isso ou aquilo é algo que considero negativo. E assim vamos, tentando acertar, sempre! Tentando sempre o melhor pra ela(s) se tornem seres humanos felizes. É só o que eu quero. Que sejam felizes. E se nossas crenças tem poder de se tornarem realidade, eu agradeço todos os dias de ver que minha filha é feliz!
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

  1. Que sigam suas próprias personalidades e sejam feliz, é difícil, é um desafio, mas era a minha intenção. rs sabendo que estamos sempre prontos a ajudar, socorrer e amar !

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    1. Sempre revendo nossas atitudes, pra que possamos melhorar sempre!

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